O aumento de turistas estrangeiros impulsiona o comércio e estende a temporada, trazendo alívio financeiro após as enchentes.
O Brasil voltou a ser o destino favorito dos hermanos argentinos, e no Litoral Norte gaúcho esse fenômeno tem se manifestado com força. As praias estão lotadas, o comércio vive um período de grande movimentação, e as reservas em hotéis e pousadas dispararam, fazendo do verão de 2024/2025 um verdadeiro alívio para a economia local. A região, que ainda se recupera dos impactos das enchentes que devastaram parte do estado, vê no turismo um impulso essencial para sua reconstrução, especialmente no aspecto econômico.

Se não fosse a chegada em massa dos argentinos, a temporada de veraneio seria fraca, afetada pelos prejuízos das inundações e pela retração financeira dos brasileiros, especialmente gaúchos que costumavam compor a maior parte do turismo local.
“Sinceramente, se não fosse o argentino esse ano, não ia ser legal, não. Salvaram a temporada”, afirma Evanir Pacheco Schardosin, o Schardô, veterano no setor de alimentação de Torres, com o Schatel Restaurante.
PRESENÇA ARGENTINA
Com a alta na chegada de turistas estrangeiros, hotéis, restaurantes e comércios comemoram. Segundo a presidente do Sindicato dos Hotéis, Restaurantes e Bares, Ivone Ferraz, a presença argentina aumentou consideravelmente.

“A gente está com uma demanda que não víamos há 20 anos. Desde a época do “Corralito”, em 2001, quando o governo da Argentina lançou um conjunto de medidas econômicas para evitar a retirada em massa de depósitos bancários, que não víamos tantos turistas argentinos por aqui,” explica Ivone.
De acordo com os dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF), a entrada de argentinos no Rio Grande do Sul aumentou cerca de 80% em dezembro de 2024, comparado aos meses anteriores. A demanda é tanta que já existem reservas confirmadas até abril, o que prolonga a temporada de veraneio e fortalece a economia local.
O principal fator por trás desse crescimento é o câmbio favorável. Com a moeda argentina parcialmente dolarizada e a cotação do dólar oscilando perto dos R$ 6, o Brasil tornou-se um destino financeiramente mais atrativo do que o próprio país de origem para os argentinos.
“Nosso dinheiro vale mais aqui. Não porque esteja forte, mas porque as coisas na Argentina estão muito mais caras. No Brasil é bem mais barato, então vale a pena sim”, comenta Ramon Lescano, 56 anos, enfermeiro argentino que chegou em Torres na noite da última segunda-feira (03) para passar suas férias com a família.
TORRES: UM REFÚGIO ARGENTINO
A cidade de Torres tem se consolidado como uma das principais escolhas dos turistas argentinos. A família de Delia Silveira, 54 anos, dona de casa, e Ramon Lescano, 56 anos, enfermeiro, por exemplo, retornou após cinco anos, trazendo mais parentes para conhecer a região.

“Torres é um lugar tranquilo, onde podemos passear sem preocupação. Não é tão badalada como Balneário Camboriú ou Florianópolis, e isso nos agrada muito”, relata Delia.
O perfil dos turistas que optam por Torres é composto, em grande parte, por famílias que buscam sossego, estrutura e segurança. Muitos argentinos que chegam a Santa Catarina acabam desistindo do estado vizinho devido ao excesso de movimento e à falta de acomodações, optando, então, por Torres.
O empresário Schardô conta que uma família de argentinos esteve em seu restaurante e relatou que chegou a ir a Florianópolis, mas, sem encontrar lugar para ficar e assustados com o movimento intenso, decidiram vir para Torres. Eles já haviam ouvido falar bem da cidade e acabaram ficando por duas semanas.
Outro ponto atrativo tem sido a facilidade de pagamento. Com a digitalização do sistema financeiro argentino, muitos turistas utilizam um sistema similar ao Pix brasileiro, que permite a conversão rápida da moeda, tornando as compras ainda mais vantajosas.
O IMPACTO ECONÔMICO
As enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul no final de 2024 impactaram diretamente o turismo regional. A retração econômica dos gaúchos, tradicionalmente os maiores frequentadores do Litoral Norte, trouxe incerteza para comerciantes e empresários do setor turístico.
“O pessoal do interior, da serra, que vinha muito para cá, acabou sendo afetado pela enchente. Foi um evento muito grande, atingiu todo o estado. Se dependêssemos só dos brasileiros, teríamos um verão muito fraco”, explica Schardô.
No entanto, a alta demanda argentina compensou essa queda. Restaurantes, hotéis, mercados e lojas de souvenires registraram um aumento expressivo no faturamento, garantindo a manutenção de empregos e aquecendo a economia local.
Ivone reforça que, além do aspecto financeiro, a vinda dos argentinos é positiva para a divulgação da região.
“Eles voltam para a Argentina e falam bem do nosso litoral. Isso atrai novos turistas e fortalece o turismo para os próximos anos. A temporada de 2025 já entrou para a história.”
Outro fator que contribui para o sucesso da temporada é o carnaval tardio, que acontecerá apenas em março. Isso significa que o fluxo turístico deve permanecer alto até o início do outono, impulsionado pelos argentinos que, diferentemente dos brasileiros, costumam estender suas estadias para duas semanas ou mais.
ACOLHIDA DOS BRASILEIROS
A relação entre Brasil e Argentina é historicamente marcada por uma rivalidade saudável, especialmente no futebol. A eterna comparação entre Pelé e Maradona, agora entre Neymar e Messi, sempre gera debates apaixonados, mas a verdade é que ambos os povos reconhecem o talento de suas estrelas e nutrem uma admiração mútua. No entanto, quando o assunto é turismo, a rivalidade dá lugar ao carinho e à hospitalidade.

A Família de Delia e Ramon destacam a receptividade e a simpatia do povo brasileiro como grandes atrativos do país.
“A gentileza que recebemos aqui é o que mais nos agrada”, afirma Delia, ressaltando que, apesar das disputas futebolísticas, a relação entre brasileiros e argentinos vai muito além do esporte. A cultura, a música e a gastronomia brasileira também são fatores que encantam os visitantes do país vizinho. Delia adora a música sertaneja e os cantores Zezé Di Camargo e Luciano e Leandro e Leonardo.
Além da hospitalidade, a proximidade geográfica fortalece a conexão entre os dois povos. Muitos argentinos vivem próximos à fronteira com o Brasil e mantêm uma relação constante com o país, seja para turismo, compras ou negócios. O câmbio econômico, que em diferentes momentos favorece um ou outro lado, também influencia a circulação de turistas entre os países. Recentemente, muitos brasileiros cruzaram a fronteira para comprar produtos na Argentina devido à valorização do real, e agora os argentinos retribuem o movimento, aproveitando as belezas naturais e a infraestrutura turística brasileira.
No fim das contas, a rivalidade entre Brasil e Argentina fica restrita aos gramados. Fora deles, o que prevalece é a amizade, a troca cultural e a admiração mútua, fazendo com que os turistas argentinos se sintam em casa quando visitam o Brasil.
A presença argentina, portanto, não apenas salvou o verão do Litoral Norte gaúcho, mas também reconfigurou o perfil do turismo na região. Com a fidelização de novos visitantes e a divulgação boca a boca, o Litoral Gaúcho pode estar diante de um novo ciclo de prosperidade turística.
